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CAMPO & CIDADE
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- Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras
OS PEDREIROS DA FLORESTA - Onévio Zabot
Dia desses, a surpresa: um casal de João-de-Barro erguendo morada nova... cumeada de um poste, frente de casa. A faceirice inigualável ao cantar denunciou-os. Lá estavam, altaneiros, tocando sua obra. No interregno da faina, uníssonos, bicos abertos, ruflar intenso de asas. Estridente dueto. Viva-orquestra naquela manhã. Ao exibir-se, avisavam a vizinhança: oh, nós aqui!
A obra apenas iniciara, mas já se viam nacos de argila. O affaire era intenso. Um vai-e-e-vem contínuo. A tarefa, percebia-se, não se limitava apenas a escavar a barreira ali perto e transportá-la em pequenas porções no bico. Assentar a massa, ofício de pedreiro. Moldavam a incipiente estrutura com maestria. Fiquei curioso... quanto tempo levarão para levantar o rancho?! Ou por outra: o forno, pois também são conhecidos como forneiros, e outras variantes como: amassa-barro, oleiro, barreiro. Aparentemente não sabiam, mas a partir da pedra fundamental, arranjaram um atento observador.
Engendrar prosa sobre ninho de aves, especialmente de pássaros, é algo que fascina. Engenhosos, tem lá sua técnica e sua arte. Eméritos artesões. Às vezes me pergunto: que instinto os move? Seria apenas instinto ou há traço de inteligência em tudo isso? E como se dá o aprendizado. Não há dúvida, a natureza tem lá seus mistérios a nos desafiar.
Na infância, me chamavam a atenção o frágil ninho do beija-flor, e as longas cestas construídas pelos guaxes, sempre ao alto na ponta das ramadas. Ou no topo dos jerivás.
Mas não há como negar que a engenhosidade e a expertise do João-de-barro sobressaem. Espécie de memória-do-barro.
Uracuiar ou uracuité, de origem Tupi-Gurarani, Gwirá significa pássaro, e Ky'ya - cuia, abrigo. E põe abrigo nisso: a prova de tempestades e das investidas dos predadores. Diz a lenda que entrada sempre é feita no lado contrário das chuvas. Premonição, certamente.
A denominação científica - Fornarius rufus (Jhoan Friederich Gmelin, 1788) -, revela características enigmáticas da singela ave. Fornarius de forno; e rufus, dorso marron, avermelhado. Machos e fêmeas praticamente iguais. De comportamento monogâmico, destacam-se pela lealdade e espírito colaborativo.
Ave símbolo da Argentina desde 1928, conhecido por lá como El hornero - Ave de la Pátria. Distribui-se, no entanto, por toda a América. E, esses dois que coabitam por aqui não são argentinos, mas sim, joinvilenses da gema. E passaram a ser meus amigos. Nos percebemos. Lisonjeiros cantares. Sim, canto com eles todas as manhãs.
Talvez por isso, cantoria, engenhosidade e fidelidade do João-de- barro se faça presente nas artes: poesia, música e pintura. Cassiano Ricardo, poeta paulista, prestou-lhe singular homenagem. E na música caipira Teddy Vieira imortalizou-o na canção João -de-Barro. "João-de-barro pra ser feliz como eu, /certo dia resolveu arranjar uma companheira. No vai-e-vem com o barro da biquinha, / fez sua casinha, lá no galho da palmeira". E Christina Dias em "O Armário do João-de-barro".
E há lendas, como a dos índios Avá-guarani. O jovem Kuairúi, filho do cacique Tabáire enamorou-se de Tiantiá, mas esta não sabia fazer casa, por isso foi transformada em pássaro.
Dizem que cidade de Sobradinho no Distrito Federal originou-se de um de uma morada de João-de-barro. Um sobradinho.
Não há dúvida, essa ave faz parte do dia-a-dia de nossa gente. Discretos, alimenta-se de pequenos insetos e aranhas. E até grãos e frutas. Preferem o descampado e as calçadas para nosso gáudio.
Quando vejo um casal de João-de-barro, lembro de minha mãe, dona Julieta. Encantada com eles, com os ninhos nas galhadas nas araucárias, ao ouvir a cantoria, não se continha, religiosa que era. - Cantam a glória de Deus!
Ah, em tempo: a morada está pronta, exatos sessenta dias. Um primor de sobradinho. Rancho de gente rica. Um luxo. E, eles por aqui, no quintal, exibindo-se.
Não vejo a hora de ver os filhotinhos. E fica sempre a curiosidade, saberão acaso tecer suas futuras moradas? A reposta: perguntem a eles.
Quando acabo de escrever este texto, estrilam, largam uma estrondosa cantoria. Penso cá com meus botões: - Sabem das coisas esses danados.
Joinville, 21 de abril de 2021
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